quinta-feira, 5 de março de 2015

NOTÍCIAS DE LÁ...

                              
                                Juntar umas coisas, roupas, meias, chinelos, óculos, chapéu, água mineral, pen drive com mil rocks e mil baladas, alguns reggaes, cartão para imagens, e a vontade.  Desarrumar a casa e arrumar a mala, revisar o carro. Tudo isso depois de afirmar vamos, qualquer hora e sem pensar o dia, apenas partir. Sendo, assim como é, perfeito, o jeito para lograr a rotina. Qualquer lugar, basta então estar indo, longe dos caminhos encantados, dos romances entre velas acesas, muito além das páginas de revistas. Deixaremos a casa desarrumada com uma saudade de partida, pois sabemos que buscando horizontes, ficarão a nossa espera os gatos dono da casa e cães donos da rua. Atentamos que os quadros da sala um dia  precisarão ser limpos da poeira e as camas precisarão ser arrumadas e as janelas necessitarão de serem abertas e as portas escancaradas, então a saudade que não pensa assim, contrariada, voltará junto no dia da chegada e continuará saudade de poeira, saudade de estrada. Os gatos apenas nos olharão com desdém, porém os cães festejarão por quinze minutos e casa ficará iluminada por uns dias enquanto a saudade vagueia pela varanda suspirando. Pensa, a saudade, que o mundo está além das cercas, das contas no banco, das hipotecas, da fatura do cartão de crédito, das reuniões e da casa para arrumar. Chateia e resmunga feito criança mimada e num repente estamos a juntar as coisas, desarrumando a casa e arrumando a vida.
                                  Virar o mundo, viramundo, quando vim ao mundo, esperei. Fiz uma viagem, ainda lembro, e esperei, era criança. Andei, da poeira e do caminho é o que mais lembro. Das conversas nas estradas do sem fim, na troca de itinerário, de volante, de acordar estrangeiro do teu lado, numa fronteira a beira do sol, num banho de chuva a beira do mar, numa rua sem placa para apontar onde ir. Bem ali depois da curva saberei uma história e você a pintará na lente dos nossos olhos e na imagem que te capta e te faz desenhista das nossas escapadas. Estamos tu e eu a desenhar nosso mapa, nossa voluptuosa agonia sendo como somos, viajantes a andar buscando notícias de lá, com estrada, poeira e poesia...


UM DIA, UMA VIAGEM...
Lembrei da primeira viagem que fiz,
Era uma estrada barrenta,
Sem fim, anoitecemos por lá, e tinha umas pessoas estranhas
Numa casa que na noite escondia
Uma mulher muito gorda e outra que não lembro o rosto
Um homem de chapéu que de tudo ria
Era agosto
Chovia.

Uma menina ruiva me olhava e se escondia
Atrás da gorda, que suava
Falava com outra,
A velha de vestido ajardinado, que cozia
Na grande sala, a noite, um cheiro temperado exalava
E lá fora o tempo mudo, um breu de mundo,
Um silêncio de tudo e um vazio de nada.

Não sei nenhum nome, acho que não aconteceu
Não sei da velha, da menina, daquele que ria
Não sei da estrada, daquele lugar onde chovia
Não sei do tempo, nem sei quem era eu...
Da vida foi-se tudo, estrada e atalho
Ficou a tela na memória, hoje e sempre
E pelas minhas casas e dias, eternamente

Um cheiro temperado de alho...